Uma história sobre videogames e amizade

 Meu primeiro contato com os fliperamas foi na metade da década de 80, jogos como Ye Ar kung Fu, Zippy Race, Amidar, Ikari Warriors, Terra Cresta, Moon Patrol, Ghouls N’ Ghosts, entre outros, fizeram parte dessa primeira fase da minha “vida eletrônica”. Eu procurava os jogos nos bairros próximos onde morava. Era sempre uma aventura, e, quando tudo dava certo, era também uma descoberta. Um garoto fascinado pelos games, que quando via um novo jogo os olhos brilhavam e ficavam atentos a cada detalhe na tela. O primeiro momento era esse de contemplação e, em seguida, a empolgação e a vontade de conversar sobre a nova descoberta. Por isso, estava sempre acompanhado daqueles amigos de infância que partilhavam a mesma euforia e o mesmo fascínio. E meu maior cúmplice nessas aventuras era o Lauro*; ele tinha 8 anos de idade quando se mudou do interior para a casa em frente à minha na periferia de Belo Horizonte. Tínhamos a mesma idade, ele foi estudar na mesma sala e ali começou uma amizade sólida. Descobrimos os fliperamas juntos, jogamos muito Atari juntos, mas o auge foi nos anos 90. Em 1990 ganhei um Master System com a pistola Light Phaser, como na minha casa só havia uma TV (o que era normal na época) e na casa dele era mais tranquilo para gente jogar, eu sempre ia pra lá. Ele tinha uma família numerosa e animada. O Super Futebol do Master System era o preferido, mas não as partidas porque estas eu sempre vencia, o pessoal gostava era da disputa de pênaltis porque nessa modalidade eram todos nivelados, era na sorte. Irmãos, sobrinhos, e até tios e tias dele participavam entusiasmados, com a camisa cobrindo o controle para que o adversário não identificasse onde o pênalti seria cobrado, era muito divertido, todos iam revezando. Gangster Town também despertava a curiosidade e era muita tecnologia na época acertar os alvos na TV. Em 1991 troquei meu Master por um Phantom System, o pessoal sentiu falta dos jogos do Master, mas Lauro e eu descobrimos muita coisa legal. Meu console veio com o Super Sprint, de início achei ruim, mas como era o que tínhamos para jogar, o Lauro me animou e começamos a jogar, pegamos o jeito rapidamente e logo estávamos bolando estratégias, nas pistas que tinha algum cruzamento ele ficava à espreita dos carros rivais e batia neles para que entrassem na parte errada da pista, assim a volta não era contabilizada para eles enquanto eu ampliava a vantagem e nós dois avançávamos no jogo.

Logo começamos a alugar cartuchos, conhecemos Super Mario Bros, descobrimos seus segredos sozinhos, na base da exploração. Alugamos jogos que conhecíamos em fliperamas como Terra Cresta e Ikari Warriors, este último descobrimos que se apertássemos o botão ao mesmo tempo na hora de pegar o tanque poderíamos sair cada um com um veículo. Jogamos muito Life Force, um cartuchinho CCE que comprei na antiga Mesbla, colocávamos o código de 30 vidas e sempre chegávamos ao final. Contra, Super Mario Bros 3, tantas pérolas...

No segundo grau Lauro e eu estávamos na mesma sala, sempre saíamos juntos para passar no fliperama ou para pegar algum cartucho emprestado com algum conhecido, pegamos Double Dragon 2 e destrinchamos, era um jogo fantástico que a gente nunca enjoava de jogar. Junto com os games caseiros continuamos descobrindo os jogos de fliperama, Final Fight foi um deles sempre jogávamos, nossa preferência sempre foi por jogos cooperativos.

Nossa aula terminava por volta de 22hs40min, certo dia eu estava com uma grana que tinha ganhado da minha mãe, resolvemos sair do colégio por volta de 21hs que era o horário do recreio. Fomos em um bairro um pouco distante a pé para buscar um cartucho para o Phantom, depois fomos para o fliperama que ficava na metade do caminho entre esse bairro e minha casa. A grana que eu tinha ganhado deu para comprar 42 fichas! Jogamos muito naquela noite, Final Fight, Vendetta, Gang Wars, Tartarugas Ninjas , Street Fighter 2… e ainda estava com muitas fichas no bolso quando percebi que já passava de 00:00hs, fomos juntos, chegando na nossa rua e cada um foi pra sua casa. Eu já estava preparado para apanhar do meu pai que era muito rígido, mas tinha esperança que ele estivesse dormindo, abri o portão, desci as escadas, pelo vidro da porta percebi o brilho da tv ligada. “Tomara que ele tenha apagado em frente a tv”, eu pensei. Abri a porta lentamente e ele estava acordado, gelei, mas me mantive, aparentemente, tranquilo. Meu pai me olhou e perguntou se eu estava estudando até aquele momento, eu falei a verdade, falei exatamente o que tinha feito e que estava com meu amigo Lauro, meu pai se virou para a tv e reclamou que eu estava gastando dinheiro à toa, acho que ele percebeu que falei a verdade, conhecia meu amigo e a família dele, eu não dava trabalho no colégio e uma das minhas poucas diversões eram o games, ele não brigou, não xingou, tivemos uma noite tranquila. Meu pai faleceu 1 ano depois desse fato, tinha 51 anos de idade e meu amigo Lauro faleceu em um trágico acidente na semana na qual eu escrevo este texto. Fui pego de surpresa, dias antes que ele tinha me mandado uma mensagem para que pudéssemos nos encontrar. Crescemos, começamos a trabalhar, casamos, tivemos nossos filhos, perdemos o contato por alguns períodos, mas a amizade nunca morreu, ainda guardo no celular a mensagem que ele me mandou 12 dias antes de morrer:

Tô com Top Gear 2

Vc lembra o código pra ganhar dinheiro?”

Recomendo para você que está lendo este texto que valorize muito as pessoas que lhe são queridas, seus pais, seus amigos e parentes, mandem uma mensagem, digam o quanto são gratos por tê-los em suas vidas e, assim que possível, façam uma visita, nós não sabemos quanto tempo temos ao lado deles.

Meu amigo era Bombeiro há muitos anos, sei que salvou muitas vidas, era querido por todos, uma pessoa realmente boa. Eu sei que não foi GAME OVER, ele deu um PAUSE e em seguida o CONTINUE.

Agradeço muito a Deus por ter me dado o prazer de conviver com uma pessoa tão especial, e rogo ao Pai que cuide bem da família dele, em especial da filhinha de 3 aninhos.



Luciano Aurélio


*Nome fictício para preservar a memória de meu grande amigo.


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