Barão Owl: o ninja cristão e cavaleiro medieval, e as menções ao cristianismo em produções nipônicas
Autoria: Eurípedes CDX, com colaboração de toda a equipe Muito Além dos Videogames
Revisão Textual e Histórica: Sammis Reachers
Edição e Legendas: Júnior Malacarne
Imagens: Internet
Olá meus amigos, tudo bem com vocês? Sou eu de novo, CDX, e venho desta vez, juntamente com a equipe da Revista Muito Além dos Videogames trazer mais uma matéria interessante para vocês. Hoje quero escrever sobre algo (ou melhor: alguém) que me chamou a atenção, quando estava assistindo novamente ao primeiro e segundo episódios do tokusatsu Jiraya. Trata-se de um dos personagens mais icônicos da série e que me chama a atenção desde criança. Hoje vamos falar de:
Barão Owl: o ninja cristão e cavaleiro medieval, e as menções ao cristianismo em produções nipônicas
É inegável como o Japão tem marcado forte presença na cultura ocidental. É curioso também algumas referências ocidentais que eles costumam utilizar em suas produções
Nos tokusatsus e animes dos anos 80 e 90 não era difícil ver citações ao cristianismo, como por exemplo o famoso Neon Genesis Evangelion, que é um anime com citações diretas ao cristianismo, ou até mesmo nomes de personagens como o Barrabás que era do Império Subterrâneo e inimigo dos Maskman, defensores da luz. Em Jaspion mesmo, encontramos Edin, o ancião que parecia um profeta do Velho Testamento ou até mesmo com as imagens associadas a Moisés, e que criou o órfão Jaspion. Ele contava a história da Bíblia da Via Láctea e que Jaspion tinha a missão de defender a paz do universo ameaçada pelo terrível Satan Goss, uma clara referência à batalha bíblica de Deus e seus anjos contra o diabo e seus demônios. Enfim, existem bem mais citações, o que prova que o cristianismo deixou sua marca na história do Japão, de maneira que influenciou os escritores e roteiristas a escreverem sobre ele.
É a partir dessa premissa, deste pano de fundo histórico que surge o Barão Owl, um dos personagens mais icônicos da série Jiraya. Ele aparece desde o primeiro episódio e, já no segundo tem este dedicado a explorar um pouco mais sobre ele e seus objetivos. Ele diz a Dokusai, chefe da família de ninjas feiticeiros, que quer Pako, o tesouro do céu que foi enviado há muitos anos atrás por uma raça alienígena muito mais avançada que a nossa, para orar pelas almas dos cristãos japoneses que pereceram por cerca de 300 anos, sendo perseguidos e mortos. Seu objetivo é orar para que essas almas obtenham descanso. Obviamente vemos aqui uma mistura de crenças, cristã católica e japonesa. A cultura japonesa é fortemente influenciada pelas suas religiões que são principalmente o budismo e xintoísmo. Sabemos que orar pelos mortos é algo sem sentido, partindo do ponto de vista bíblico. Mas Barão Owl é realmente um personagem misterioso, forte e muito interessante. Ele é um guerreiro maduro, experiente, detentor de um poderoso senso de honra e justiça, mas que não perdeu a sua força e determinação. Sua fé está focada em encontrar Pako e assim dar descanso aos cristãos que sofreram perseguição no Japão. De certo modo, ele personifica a fé e determinação de um cristão, cujo objetivo é servir à Deus até o fim de sua vida terrena, tendo por esperança as promessas de Cristo, dentre elas o céu, onde poderá viver em paz para sempre.
No Ocidente, bem pouco é mencionado sobre a perseguição sofrida pelos cristãos japoneses, pois os olhos dos cristãos ocidentais estão focados geralmente nos acontecimentos narrados nos Atos dos Apóstolos e os imediatamente subsequentes, que narram a perseguição cristã sofrida sob o Império Romano; ou os eventos da Reforma Protestante iniciada por Lutero.
Tendo chegado ao Japão a partir de 1549, através do missionário português Francisco Xavier e seus colaboradores, o cristianismo gozou de breve período de aceitação e acomodação, mas logo se viu perseguido. A história de intrepidez e sofrimento de Xavier e dos primeiros cristãos nipônicos é contada no filme Silêncio (2016), do renomado diretor Martin Scorsese. Filme por sua vez baseado no romance do autor japonês (católico) Shüsaku Endö.
Mas a verdade é que, ao longo dos séculos, o evangelho chegou a muitos outros povos e seus convertidos foram perseguidos, inclusive por países comunistas como China, Rússia e Coréia do Norte, mas não vamos nos aprofundar nesse mérito. Ao leitor interessado, basta saber que a Missão Portas Abertas publica anualmente um estudo/listagem dos países onde é maior a perseguição religiosa, que infelizmente segue firme e até numa crescente a nível global.
O Barão Owl é um personagem misterioso que representa as citações e referências ao cristianismo na cultura japonesa e nos faz lembrar dos cristãos perseguidos na história do Japão
Vamos ver o que o Wikipédia tem a dizer sobre o Barão Owl:
Jonin Barão Owl (城忍 フクロウ男爵, Jōnin Fukurō Danshaku, Ninja do Castelo Barão Coruja). País: Inglaterra. É o primeiro membro do Império dos Ninjas a aparecer na série. Na verdade, é um ninja cavaleiro britânico descendente de um Cruzado adepto do cristianismo (em especial o anglicanismo) e luta com uma espada claymore escocesa, chicote e shurikens em forma de crucifixo. Deseja utilizar Pako para fins pacíficos como uma despedida para os mártires que morreram por causas nobres. Quase morre no episódio 9, quando cai do alto de uma cachoeira por conta de uma emboscada planejada pela Família de Feiticeiros, mas posteriormente aparece vivo para Jiraiya e torna-se seu aliado. Seu nome se traduz literalmente como "Ninja do Castelo Barão Coruja". Seus maiores defeitos são se deixar levar mais pelas emoções do que com a razão e perder a calma, tanto que caiu facilmente na armadilha elaborada por Dokusai e Del-Star de que Toha tinha encontrado Pako. Na versão original, Barão Owl mistura inglês e japonês nas suas falas.
A figura e uniforme do Barão remetem claramente aos Cavaleiros Templários, ordem guerreira fundada em 1118 no seio do catolicismo e cuja missão principal seria escoltar cristãos em suas peregrinações à Terra santa; retomar a Terra Santa (Israel) das mãos dos muçulmanos, e/ou defendê-la dos tais.
Barão Owl com seu estilo “Cavaleiro Templário”
A ligação entre a chegada do cristianismo no Japão, sua perseguição no país e a imigração japonesa no Brasil
A história do catolicismo no Japão começou com a chegada dos jesuítas em meados do século 16. Enfrentaram quase 300 anos de rígidas proibições, perseguições e execuções que levaram muitos a renunciarem sua fé ou então a praticarem a religião como kakure kirishitan, na clandestinidade.
O número de católicos no país asiático não alcança hoje 1% da população de 126 milhões de habitantes.
Os descendentes desses cristãos clandestinos, que conseguiram viver às margens da sociedade sob a rígida proibição imposta pelo xogunato Tokugawa, entre 1614 e 1873, têm uma profunda relação com a imigração japonesa para o Brasil, ocorrida no início do século 20.
"E contrastando com os anos de silêncio e isolamento no Japão, eles tiveram um papel ativo na comunidade, construindo escolas, igrejas, e ajudando os demais imigrantes a se adaptarem à sociedade brasileira", diz o cientista de dados residente em Cingapura, Edson Aoki.
Segundo ele, a fé católica unia os imigrantes católicos em um poderoso espírito de comunidade e lhes dava um propósito maior, além de ajudar na integração do grupo à sociedade brasileira.
"Comparado com os demais conterrâneos, os imigrantes de Imamura se tornaram proficientes em língua portuguesa mais rápido", diz.
"A nossa comunidade tem uma história de 450 anos: sobreviveu a séculos de perseguição no Japão e depois, tendo migrado, se adaptou e prosperou no Brasil e em outros países", afirma.
*Acima estão trechos retirados da matéria da BBC News Brasil intitulada de: A jornada dos cristãos japoneses: dos séculos de perseguição até a imigração ao Brasil (link da matéria completa no final desta postagem)
Por fim, a história do cristianismo no Japão influenciou a cultura pop japonesa e posteriormente chegou até nós, pois foi mencionada em animes e tokusatsus e acaba tendo ligação direta com a emigração japonesa no Brasil, este que é o país com o maior número de japoneses e descendentes fora do Japão, a maioria situada no estado de São Paulo, alguns no Paraná e até no Rio Grande do Sul.
Já existe uma postagem aqui no nosso site, dedicada ao museu da emigração japonesa ao Brasil, que fica em São Paulo. Clique aqui para ler!
A história da relação entre a cultura japonesa e ocidental remonta aos séculos de perseguição aos cristãos no Japão e à chegada e estabelecimento de japoneses no Brasil
Vamos acompanhar agora a citação do redator-chefe, Luiz Miguel Gianeli:
“Em relação às citações ao cristianismo nas obras japonesas, em minhas pesquisas recentes envolvendo os jogos, percebemos que eles tratam o cristianismo com curiosidade, como se fosse mais uma mitologia e por ser tão diferente da cultura e as religiões deles, tem essa atração e por não terem aquele senso de temor e reverência para com a Bíblia e suas doutrinas, utilizam os elementos em suas obras, o que os ocidentais não faziam ou cortavam quando adaptavam as obras para cá.
Até hoje há dificuldade em tratar elementos bíblicos e cristãos em jogos ou outras produções. Já os japoneses não têm essa dificuldade e colocam Bíblia, cruz, igreja, etc em suas obras. Uma diferença cultural bastante interessante. Eu sempre achava legal qualquer referência ou menção ao cristianismo, mesmo que deturpada. Mas Jaspion, Jiraya, Cavaleiros do Zodíaco, Zelda, Chrono Trigger, dentre outros têm muitas citações e referências. Mas é sempre bom avaliar e refletir. Cada coisa tem seu contexto”.
Agora a citação do redator Júnior Braga:
“Precisamos entender que, quando falamos sobre Cristianismo dentro da cultura japonesa, estamos lidando com adaptações únicas. Eles não simplesmente copiam o que vem de fora; eles reinterpretam símbolos, histórias e até citações cristãs, moldando tudo de acordo com o que conhecem ou conheciam sobre o tema. Nos animes, tokusatsus e outras mídias, é comum ver elementos do Cristianismo misturados com as crenças locais, como o budismo e o xintoísmo, criando algo às vezes bem distante do que a gente reconhece como fé cristã. O que eles fazem é pegar a essência de certas ideias e transformar em algo que faz sentido dentro da cultura e da narrativa deles. Por isso, nem sempre podemos esperar uma representação fiel, mas sim uma adaptação criativa, onde o foco muitas vezes é mais simbólico do que espiritual.”
O redator Carlos Henrique também expressa a sua opinião sobre o assunto:
“É muito difícil analisarmos a cultura japonesa do ponto de vista ocidental. Nossa sociedade está totalmente fundamentada em 3 pilares: a filosofia grega, o direito romano e a ética judaico cristã.
A cultura japonesa não teve contato direto com nenhuma dessas coisas, antes, é bem mais baseada no taoísmo, xintoísmo e budismo.
O japonês vê a cultura cristã da mesma forma que olhamos para a mitologia grega ou nórdica. Logo, colocar o nome de Satan num personagem é o mesmo que colocar o nome Hades ou Loki.
Outro ponto, alguns termos que são traduzidos, sem a devida contextualização, podem gerar confusão. Por exemplo, o conceito de demônio (oni) para o japonês é totalmente diferente do ocidental/cristão. Para eles, demônios são um dentre vários tipos de espíritos e eles podem ou não ser malignos.
A sexualidade também é algo totalmente à parte, eles fazem uma dicotomia grande entre alma e corpo. Recentemente vi um rapaz entrevistando mulheres japonesas na rua perguntando o que elas pensam de seus namorados/maridos frequentarem prostíbulos. A maioria delas diz não se importar, desde que seja algo puramente sexual, que não haja sentimento envolvido. Em outros termos, elas preferem que seus maridos tenham relações com outra mulher do que flertar com elas.”
Nosso redator João Carlos:
“É fato que o cristianismo é uma religião pouco difundida no Japão, que possui pouco mais de 1% de sua população cristã, não obstante, aliado a isso nos deparamos com a grande barreira cultural citada pelo nosso irmão Carlos Henrique, o que pode nos levar a entender a forma como são feitas essas citações cristãs nos tokusatsu, animes e jogos japoneses, às vezes de forma supérflua, fantasiosa ou até mesmo misturada com outras crenças religiosas.
Ainda assim vejo essa questão como algo positivo, pois para muitas pessoas é a primeira e talvez a única forma de contato que terão com os princípios cristãos. Assim como Paulo usou de sabedoria no Areópago para apresentar aos atenienses o Deus criador dos céus e da terra (Atos 17; 22-24), essas citações se tornam uma oportunidade para que Jesus Cristo seja anunciado ao mundo.”
Por fim, uma contribuição do nosso redator Júnior Malacarne:
“H. A. Rookmaaker, renomado pensador e professor holandês de história da arte, cristão protestante, chegou a dizer que um dos problemas do ser humano é ansiar por encontrar sempre uma obra de arte perfeita. E eu penso que isso não se aplica apenas no fato de que nunca encontraremos a perfeição em obras feitas por mãos humanas, mas também que as obras de arte geralmente não são perfeitas em um sentido de serem completas, mas abordam apenas algum(uns) aspectos da realidade ou de alguma história. Sabendo disso, nossas expectativas são equilibradas e ficamos livres de querer encontrar toda a verdade em apenas alguma obra de arte. Podemos sempre “examinar todas as coisas e reter o que é bom” (1 Tessalonicenses 5: 21) quando, é claro, conseguimos identificar algo de bom naquela obra, para sabermos também “abstermos de toda forma de mal” (1 Tessalonicenses 5: 22). Então, com discernimento, podemos encontrar proveito mesmo em algumas obras orientais/japonesas que façam citações ao cristianismo ou a valores que se identificam com a fé cristã, ainda que estas sejam imprecisas (digo o mesmo para obras ocidentais…). Muitas coisas podem funcionar como alegoria ou metáfora para verdades bíblicas.
Não entendam esse conselho como sincretismo religioso ou licenciosidade para crer em qualquer coisa. Mas entendam que, com o dom criativo que o próprio Deus deu a nós seres humanos, que faz parte do seu mandato cultural para exercermos domínio piedoso sobre a sua criação, podemos sim encontrar e tirar proveito de boas obras culturais neste mundo, ainda que feitas por mãos e mentes que não temem a Deus de verdade. É a graça comum de Deus operando na cultura. Mas precisamos ter discernimento nessa tarefa.”
***
Com seus Tokusatsus, Animes, Mangás, Games e mais, o Japão também contribuiu para que tivéssemos uma infância maravilhosa aqui no Brasil!
Esta foi a nossa primeira matéria conjunta onde todos os redatores, de alguma forma, interagiram com o texto, revisando, corrigindo e acrescentando informações. Independente do fato de como o cristianismo é encarado pelos japoneses e, voltando agora o nosso olhar para trás, devemos agradecer a Deus em primeiro lugar pela infância maravilhosa que tivemos, cheia de desenhos, animes, tokusatsus e programas para lá de interessantes e, as pessoas que tornaram isso possível, como o Sr. Nelson Sato e o Sr. Toshihiko Egashira, que foram os descendentes japoneses responsáveis por trazerem até o Brasil diversos animes e tokusatsus como Jaspion, Jiraya, Changeman, enfim. Nossos agradecimentos, pois, se não fosse pela iniciativa deles, hoje essa matéria não poderia ser escrita e mais, nossa infâncias perderia muito de seu brilho.
Espero que tenham gostado desta matéria. Nossa equipe de redação da revista e Blog Muito Além dos Videogames novamente agradece a você, nosso leitor e apoiador. Valeu e até a próxima, Deus abençoe a sua vida e a sua família!
Fontes de pesquisa: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jiraiya_(s%C3%A9rie)
BBC News Brasil: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62639024#:~:text=A%20hist%C3%B3ria%20do%20catolicismo%20no,como%20kakure%20kirishitan%2C%20na%20clandestinidade.
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